Certas coisas já começam no passado. Quem nunca conheceu alguém e sentiu instantaneamente que aquela pessoa te lia por completo? Tanto que, inconscientemente, você acaba vivendo muito mais intensamente uma história de poucos dias como se fossem anos. Pessoas que fazem instantes virarem eternidades, que fazem palavras cravarem fundo no peito e te acompanharem pro resto da vida; Pessoas de cheiro, de riso, de espontaniedade. Pessoas que te fazem confessar os seus segredos mais intimos, seus temores mais obscuros e suas expectativas mais escorregadias. Pessoas que te escutam, te compreendem e que, principalmente, te aceitam da maneira como você é.Essa mesma sensação pode não ser tão boa.Ocasionalmente você conhece alguem que faz despertar as piores lembranças em você. Pessoas que, inconscientemente, surgiram na sua vida para virarem passado. Um passado doloroso. Você sabe, você se arrisca, luta contra seus instintos e contra seus sentimentos. Vai de ré a tudo o que você acredita te definir, ser você. Abre mão de sua identidade, de seus preceitos e trejeitos para digladiar contra o destino, e que por mais que ele grite, berre na sua cara que aquilo não lhe faz bem, você se faz de surdo, você fecha os olhos e deixa-se tragar pela incerteza. Pessoas assim lhe causarão cicatrizes irremediáveis. Lhe traram desgostos inimagináveis, mas não surpreendentes. Lhe farão duvidar da sua essencia e de sua plenitude. Serão as responsáveis por mil lágrimas, lágrimas com gosto de passado, um pranto calado desde aquele primeiro instante, que só esperava solo seguro e fértil de tristeza para finalmente brotar.Pessoas de passado delimitam seu futuro. Poucas pessoas fazem você realmente se sentir vivo, parte de uma história, atuante num mundo pulsante e real. Poucas pessoas, de maneira boa ou ruim, vão te desestruturar a ponto de causar uma transformação em si, te moldar num outro ser, mais forte, mais seguro, mais humano. Poucas pessoas te transformaram em pó, te desequilibraram e te farão sentir que tudo aquilo que você viveu, você viveu adormecido, incosciente. Poucos gestos, palavras, sorrisos, cheiros, olhares, beijos e lágrimas penetrarão tão fundo em su’alma e invadirão seu coração como em rebento. Poucos, mas demasiadamente importantes para virarem um passado com ânsia de futuro.
Feito de sal e sol
Porque carne e osso está cada vez mais fora de moda.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Dontem
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Repentinamente
Qual o momento exato em que ultrapassamos a linha tênue entre a atração, física e/ou intelectivo e a paixão? Sim, por que num pequeno intervalo de tempo, num átimo de segundo, nos apaixonamos.
De repente aquele sorriso, aquele cândito e simplório sorriso já não sai mais da sua mente. Fica ele perambulando defronte a seus olhos, inebriado pelo hálito fresco e excitante que flui de sua boca. E os lábios? Ah, porque lábios tão rubros? Lábios perfeitamente delineados, perfeitamente adaptados à volúpia dos meus próprios. Só um beijo falaria as palavras que me faltam.
Subitamente aqueles olhos, deliciosos olhos castanhos esverdeados adquirem todas as cores mais belas do mundo. O que os faz tão penetrantes assim? Se numa única mira são capazes de me eriçar, de me embaralhar, ferver-me inteiro por dentro para depois cristalizar meu coração sob minha garganta. Olhos de águia, que me despem, me caçam, me arrebatam tão violentamente que tudo o que mais desejo fazer é permanecer olhando-os para toda a eternidade. O brilho desses olhos que me faz salivar, o resplendor dessa miragem que me apunhá-la.
De súbito passo a sentir seu cheiro em todos os cantos, a procurar por ele. Delongo um abraço para ficar mais tempo agarrado ao teu cangote, me embriagando da essência que mana de minha paixão. Brinco com meus sentidos, divirto-me com minha imaginação, devaneando se aquele é o mesmo cheiro que exala em todo o seu corpo.
Repentinamente seu toque me enternece, me causa sensações que eu jamais pude imaginar serem tão deleitosas. Tangencio o seu braço cautelosamente, fecho os olhos para lograr da emoção. Meus pêlos se arrepiam se em contato com os seus, denunciando minha abrupta excitação em ter-te perto de mim.
De repente seu contexto passa a ser primoroso. Suas palavras são católicas, religiosas, munidas de uma sabedoria que nem os profetas são capazes de imbuir-se. Escuto-te por horas, sorvendo cada timbre de sua voz, cada sílaba não dita e todos os cacoetes que fazem de seu discurso algo tão singular.
Tudo, absolutamente tudo em você me atrai. Até os seus defeitos, até seus desarranjos eu intento em minha vida, cotidianamente, dia após dia. A partir daí não é mais uma simples atração. Já é paixão. Paixão árdega e abrasante, que não me deixa pensar, que não me deixar dormir, que não me deixa imaginar outra coisa senão experimentar a existência ao seu lado. Disso eu sei, só não sei quando aconteceu.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Tudo passa
A verdade é que tudo passa. Passa amor, passa dor, passa tempo, tudo passa. Sentimentos mudam, flores murcham, cores desbotam, tudo se desgasta, tudo perde o brilho, tudo passa. O vento corre, o ar lhe falta, a luz se apaga, o cheiro escassa, tudo, tudo passa. O toque é rápido, o olhar desviado, o beijo resseca, o sexo esfria, tudo se frustra, tudo diminui, tudo passa. O eterno acaba, a música pára, o sono vai embora, a memória falha, o dinheiro se esgota, tudo se finda, tudo se esfarela, tudo passa. O sonho se dissipa, a estação se modifica, o sol de põe, você envelhece, tudo desencarna, tudo falece. Tudo, absolutamente tudo passa.
domingo, 18 de novembro de 2012
Meueuemmim
Se somos quem queremos ser, quando escolhi ser eu? Quando meu ser se elegeu meu, quando designei meus predicados e, afinal de contas, quando preguei cada feitio, cada virtude e cada desconcerto na figura que viria a ser eu?
Quando abdiquei de um sorriso perfeito, de belos e delgados dentes cândidos e imáculos, para optar pelo meu singelo e amarelado riso envergonhado? Quando, me responda, troquei os belos fios alisados, macios e ensolarados, por madeixas tão enfurecidas, cabelos cacheados-sem-ver-pente? Em que ocasião desisti de ter um belo e universal torso robusto e atraente, para me conformar com o desjeito e insólito corpo que é meu?
Se somos quem intencionamos, por que sou tão inconstante? Por que meu humor ora fere a mim e aos que me rodeiam, chicoteia, rasga lágrimas, e outrora rompe sorrisos, emoções verdadeiras, amor? Por que sou só bom em certas coisas e não em tudo? Por que, por favor, responda-me, meu caráter é tão genioso, capaz de virar as costas para o díspar e ao que é desarmônico do resto de mim? E porque, meu Deus, por que essa sensação constante de estar mutilado, desejoso de algo que me falta, de algo que, por vezes, nem me dou conta que existe?
A verdade é que, se somos quem não queremos ser, podemos escolher ser alguém diferente, só não podemos nos desprender de nossa essência, do fiapo d'alma que nos torna singular, que nos torna único. Odeio meus desarranjos mais do que tudo na vida, por que, talvez, eles representem os meus maiores fracassos visíveis a olho nu, mas, no fundo, também os amo. São meus defeitos que moldam minhas qualidades, esculpem com equilíbrio quem eu sou ou deixo de ser.
Se eu não fosse exatamente como sou agora, não teria passado pelas mesmas provações, vencido os tantos obstáculos que me foram designados, cativado os amigos que me cercam e os que desejam estar comigo e que nem me dou conta. Sou ser humano, sinônimo claro de imperfeição. Somos ciclos, seja na idade, seja na pessoalidade. Aquilo que me era adjetivo antes, hoje pode já não me servir mais, ter-se esquecido no fundo do armário, criado teia. Os desregramentos que me incomodam hoje não me incomodarão amanhã, e serão apagados.
Agora eu pergunto: Por que?
A resposta é simples. Se somos quem seremos ser, sou quem sou e nem me lembro do que era antes. Sou o presente de mim, primogênito do meu passado e progenitor do que de mim estar por vir. Sim, sou quem eu quero ser porque escolhi ser assim, e quando o meu eu não me for mais benquisto, não o serei mais.
No fim das contas não trocaria meu sorriso amarelado, meus cabelos revoltosos e encaracolados, meu corpo débil e desengonçado, meu temperamento estriduloso e nem meu gênio indomável por nada desse mundo.
Eles são eu, e eu sou eles. E você, quem é?
sexta-feira, 30 de março de 2012
AMEstrar
Quem dera meu coração pudesse ser disciplinado. Teria eu evitado me apaixonar pela pessoa errada; permanecer apaixonado quando eu tinha todas as razões para seguir em frente.
Instruir meu coração teria me livrado dos percaussos do caminho, das atitudes impensadas e movidas sobretudo pela emoção, das palavras que minha mente compreendia que não deveriam ser ditas, mas meu bobo coração não se conteve em seu silêncio.
Treinar meu coração me livraria das noites em claro que passei, das lágrimas que derramei e das promessas que guardei e que não foram cumpridas; Me faria dissuadir o amargo da rejeição, o dissabor da desavença e a dor da saudade.
Quem dera que meu coração pudesse cooperar e me deixar dançar sobre minhas ruínas, deixar pra trás um passado que só me tortura, que não me permite viver meu presente com otimismo, sem perspectiva de um futuro que não haja sombras do ontem.
Se eu pudesse sentiria com a cabeça, me apaixonaria com meus neurônios e me entregaria com a lógica verdadeira de que nada é tão bom quanto parece. Procuraria um amor que fosse bom pra mim, me motivasse, se preocupasse comigo, não que exigisse tudo isso sem reciprocidade.
Ah, se esse orgão tolo e pulsante soubesse que o preço da vitalidade que ele me oferece é tão angustiante, que a cada batida uma nova carquilha surge diante de meus olhos, consumindo minha substância. Se ele soubesse que sofrer é a valia de viver, aposto que se deixaria ser disciplinado. Quem dera ele pudesse...
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Residêncescia
A casa é forte, mas será que segura? Os tijolos grandes e robustos se esfarelam, se despedaçam pelo sobrecarregado que suportam. A liga já não é tão pungente, hora é rala, desmazelada, desprende-se com facilidade. As paredes, antes inflexíveis, fortificadas, já apresentam fendas, resquícios de tanto mau-querer que lhe corrói por dentro. Paredes que nem sustentam mais a si, se apoiam nas parafernálias que a cercam. O piso é agourento, elástico, tanto que nem se recordam que um dia ele já foi firme e concreto. Andar sobre ele é impossível, só resta se render ao sob. As luzes já não são mais claras, mas dilatadas. O que antes era evidente agora não faz significação, a pupila delongada já não faz distinção entre o errado e o mais errado ainda. O certo já se perdeu com a última lamparina que se extinguiu. O teto, o tão temeroso teto que lhe priva das estrelas, da sensação da chuva, do breu, do sereno, do raio límpido que o sol lhe declara, o teto agora é de vidro. O íntimo que ele lhe proporcionava, a salvaguarda de sua alma que descansa ao mesmo tempo que suas pálpebras cansadas de um dia do trabalho, já não existe mais. O teto caiu há muito tempo, e o tempo dança sobre as ruínas, soterrando-lhe. A casa já não existe mais. Ainda é grande, grande e oca, vazia. A casa é fria, escura e atemorizante. Ainda é feita de tijolos unidos pela liga, ainda é cercada de paredes, ainda é circunjacente a um piso, possui luzes e um teto que lhe coroe. Mas a casa já não é mais casa. A casa é ruinaria.
Ermoeterno
Quando ficarmos sós e eu poder sentir mais que seu perfume, poder tocar mais que sua pele e beijar mais que seus lábios; Quando estivermos sós e eu puder ouvir seu olhar, sorver sua expiração, me embriagar de seus sussurros; Quando mais ninguém estiver por perto e eu sonhar nossa realidade, chorar nosso jubilo, gozar de nossos medos; E quando estivermos finalmente sozinhos, completamente sós, nada poderá se opôr ao sentimento que se constitui longe dos olhos de todos, mas que se fortalece na única e mais sublime testemunha que se pode existir: Dois corações e uma só alma.
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