domingo, 15 de maio de 2011

Pretume-me

Não tenho medo do escuro. É na umbra que apercebo-me de toda e qualquer subtração ocorrida em minha vida. A sombra me é conselheira dos encargos de minha existência em evidência. Nela consigo enxergar as entrelinhas ocultas em plena luz do sol; distingo que meus sentimentos não são tão puros como eu julgava e que eu não sou um sujeito de tão bons predicados.

Não tenho medo do escuro. Não quando este é o único estado em que não importa se estou ou não eu de olhos abertos – Não quando o que há diante de mim é apenas o negrume. No escuro posso deixar de existir por algumas míseras estações, posso me permitir subjugar-me a um estado latente de ausência. Por que é no escuro que minha alma ganha liberdade, deixando meu corpo frio afundado numa onda de quimera que é sonhar.

Não temo o escuro por ser terrificante, lar de criaturas fictícias que nada mais são que projeções dos nossos próprios medos. Não é embaixo da cama que vou encontrar minha falta de amor próprio, nem dentro do armário vai estar a inveja que insisto em reprimir quando o outro ofusca-me como a uma migalha. O escuro é meu aliado se tudo o que eu mais quero é esconder minhas imperfeições, camuflar meus defeitos tão notórios.

No escuro posso chorar sem que me cobrem explicações, posso planejar meus próprios passos sem que se ergam obstáculos no meu trajeto. Por que no escuro o incerto é dócil e terrivelmente possível. Possibilidades estas que, no lume, possivelmente seriam impossíveis. E é disto que preciso para hoje, opções.

Não me inquieto com a escuridão. Tremo perante o amor vão que me juram ou que já jurei. Temo o tempo que, em sua majestade, transforma corpos em recordações. Mortifico-me com a saudade que, cruciante, despedaça meu coração em vis pedaços que nada valem, nada representam em desalinho. Não é do escuro que tenho medo, mas da solidão que é sua extensão. Por que no escuro não importa se você está em meio aos seus lençóis de algodão ou numa vereda de proporções assustadoras - O perímetro é nulo se as arestas são invisíveis.

Não tenho medo do escuro, não sou supersticioso. Tenho medo da fantasia que pode infectar meu juízo e tornar-me prisioneiro de minhas próprias vagueações. Por que só na penumbra sou vilão de mim mesmo. O herói passa para o segundo plano, onde pode aprender um pouco mais sobre ser genuíno.

Escuridão maior que a que há em mim não existe.

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