quarta-feira, 21 de julho de 2010

Narcisa e a autocontemplação.

Não me amo, amor próprio é o algo que não me diz respeito. O amor é algo que guardo para a pessoa certa, para o sujeito que me fará esquecer de tudo para ser sua; amo o próximo para que ele me ame. Por hora, me admiro. Todo e qualquer mínimo detalhe em meu corpo me atrai, mesmo o mais enojadiço, o mais escondido. Não tenho hierarquia para me contemplar, o âmago é falho, compassivo, mas o íntimo é sublime, alheio a intervenção. Sempre que me olho no espelho vislumbro algo diferente, se meu corpo em movimento, numa dança comum, mas que se feita por mim sobrepuja-se ao que Maria faz ao meu lado, falsificando minha efervescência; se concentrada ao arrumar o cabelo, deixando as melenas mais claras por cima das outras, destacando-me como mulher, contrastando com o meu olhar sempre ressaltante, minha boca que implora pela sua, minha pele tão uniforme e resguardada; se exposta completamente, sem roupa, só corpo, ponderando a mais ínfima gota que percorre meu corpo umedecido pelo chuveiro, calculando matematicamente minhas protuberâncias, bem-querendo-as.

Minha transcrição é divina, invejo-a imaginando ser ela melhor que eu. Ela que me observa de todos os ângulos, ela que me denuncia o momento certo de fazer uma mudança em minha anatomia, ela que jamais recaí os olhos sobre outra pessoa, me admira de todas as maneiras possiveis, e sempre, sempre me olha nos olhos. Meu refletido também é meu confidente, o sinônimo de minha privacidade. É ele que me ajuda a escolher as palavras certas, seja para digladiar ou confortar. Ele que acha graça do meu sorriso amarelo, ele que é o único que chora verdadeiramente quando estou me derramando em lágrimas. Ele sou eu, numa versão mais humana, surpreendentemente. Se eu pudesse me transportar para o seu mundo, se eu pudesse me mutar a cada novo personagem que vem me visitar, talvez eu poderia finalmente ver algum defeito em meu ser. Assim, estou completa; Talvez amando ou completamente apaixonada.

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