segunda-feira, 18 de julho de 2011

Reprise

Certas recordações vêm em forma de melodia. Aquilo que outrora era só uma canção agora transformou-se numa lembrança dentro de ti, aquilo agora possui um enredo, com inicio, meio e fim. São dos momentos em que a ouviu pela primeira vez e identificou-se com o refrão ou emocionou-se com determinado trecho que você se lembra. Quem estava ali ao seu lado é mais importante do que o artista que penetrava tua alma com sua poesia. O cheiro daquele momento lhe vem a tona mais rápido que o ritmo e o desentoar não é causado pelo tempo em que não escuta tal melodia, mas pela embriaguez do odor que retorna ao seu corpo. Cada repetição tornou-lhe hábil em achar o desafinar do violão ou os tons agudos demais que a voz propaga, mas não é disso que você se lembra. Você se recorda da voz do seu amado ao sussurrar a canção no seu ouvido e dos fragmentos desta que tornaram-se verdadeiras declarações de amor e amizade.

As lágrimas que antes eram de felicidade hoje são de saudades. Seu entonar já não lhe parece tão empolgado, mas fraco e distante, esvaecido pelos tantos dias de clausura dentro de sua alma. A música, como uma flor, precisa ser regada para enraizar dentro de ti, precisa ver a luz do sol para crescer e se reproduzir. Se o florescimento não acontece a recordação morre dentro de si. Por que outro motivo as músicas que mais se gosta continuam te descrevendo perfeitamente? São elas partes de um todo, fragmentos de sua própria alma em forma de melodia, mas que em consonância cantam-te para os expectadores. Escuta-te em tua cantiga preferida e verseje cada acorde com os tantos sorriso que ela te abençoou ou com cada lágrima que ela lhe proporcionou. Celebre os momentos em que você e ela foram um único, só assim descobrirás que a música não é só som, mas cheiro, sabor e sensação.

As vezes você não se dá conta do quanto o tempo passou até que você escuta uma música, força-se a lembrar de sua escritura e descobre que os acordes já não saem automaticamente de seus lábios. A memória é severa e causa um arrebatamento extraordinário. E quando finalmente você se deixa embriagar novamente pel'aquela canção, sente-se vazio ao constatar que nada mais que ela lhe causava pode regressar ao seu âmago. A atmosfera ao seu redor é outra, você é outra pessoa e o mundo é outro que outrora lhe parecia improvável, mas agora lhe castiga com a crueza da realidade. A nostalgia da primeira vez que se escutou certa canção jamais lhe agraciará novamente. Outras músicas fazem parte de sua vida, outras pessoas e outros momentos agora são significativos. Mas os buracos ainda estão lá. Cada falha do cd arranhado continua ali, cada vício de cantoria permanece em sua memória. Sensações como esta não são raras, raro é permanecer tanto tempo ouvindo uma única canção. O que lhe resta é a recordação.

Um comentário:

  1. Andas lendo minha mente? Como você pode escrever exatamente o que eu sinto?

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