segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Residêncescia

A casa é forte, mas será que segura? Os tijolos grandes e robustos se esfarelam, se despedaçam pelo sobrecarregado que suportam. A liga já não é tão pungente, hora é rala, desmazelada, desprende-se com facilidade. As paredes, antes inflexíveis, fortificadas, já apresentam fendas, resquícios de tanto mau-querer que lhe corrói por dentro. Paredes que nem sustentam mais a si, se apoiam nas parafernálias que a cercam. O piso é agourento, elástico, tanto que nem se recordam que um dia ele já foi firme e concreto. Andar sobre ele é impossível, só resta se render ao sob. As luzes já não são mais claras, mas dilatadas. O que antes era evidente agora não faz significação, a pupila delongada já não faz distinção entre o errado e o mais errado ainda. O certo já se perdeu com a última lamparina que se extinguiu. O teto, o tão temeroso teto que lhe priva das estrelas, da sensação da chuva, do breu, do sereno, do raio límpido que o sol lhe declara, o teto agora é de vidro. O íntimo que ele lhe proporcionava, a salvaguarda de sua alma que descansa ao mesmo tempo que suas pálpebras cansadas de um dia do trabalho, já não existe mais. O teto caiu há muito tempo, e o tempo dança sobre as ruínas, soterrando-lhe. A casa já não existe mais. Ainda é grande, grande e oca, vazia. A casa é fria, escura e atemorizante. Ainda é feita de tijolos unidos pela liga, ainda é cercada de paredes, ainda é circunjacente a um piso, possui luzes e um teto que lhe coroe. Mas a casa já não é mais casa. A casa é ruinaria.

Ermoeterno

Quando ficarmos sós e eu poder sentir mais que seu perfume, poder tocar mais que sua pele e beijar mais que seus lábios; Quando estivermos sós e eu puder ouvir seu olhar, sorver sua expiração, me embriagar de seus sussurros; Quando mais ninguém estiver por perto e eu sonhar nossa realidade, chorar nosso jubilo, gozar de nossos medos; E quando estivermos finalmente sozinhos, completamente sós, nada poderá se opôr ao sentimento que se constitui longe dos olhos de todos, mas que se fortalece na única e mais sublime testemunha que se pode existir: Dois corações e uma só alma.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Amicus

A amizade nasce semente, germina e cresce dentro de corações distintos, mas que jamais deixam de se interligar por algum motivo. O amigo é a alma fecunda n'outro corpo, a inspiração que não nos pertence, mas que nos é dada. Quando se trata de amizade não existe número, não há gênero, nem cor que os diferencie. Amizade, acima de tudo, é um sentimento maior, uma dádiva dada pelo nosso criador, a prova viva e manifestada dentro de nós que somos capazes de amar sem esperar algo em troca.

Amo todos os meus amigos como a mim mesmo, e como a mim mesmo desejo apenas o melhor para eles. Não importa se pensamos diferente um do outro, o importante é a sensação de que sempre nos completamos. Não importa se, um dia, eu tiver que ser ríspido, acentuar o tom de voz e ser firme numa decisão; um amigo verdadeiro não fala o que você quer escutar, ele fala o que sente. Entre amigos há muito mais que sorrisos descompromissados e declarações de cumplicidade eterna. Não é amigo aquele que nunca sentiu que poderia fazer mais, aquele que nunca chorou o pranto do outro e se comoveu com a ofensa dita ao cúmplice. Amizade, acima de tudo, é um compromisso mútuo de franqueza e fidelidade. Não é que não haja espaço para mentiras numa amizade, o que não deve existir são as falsas justificativas por trás do ato.

A amizade, assim como nós, envelhece. Ela se cria na presença, se firma nos bons momentos e se desenvolve na camaradagem. Esse sentimento tão nobre e sublime que só se embeleza com a crescença de rugas, marcas de que a estrada foi longa, o caminho tortuoso, mas a jornada valeu por cada segundo. E aos meus amigos, os melhores e mais preciosos presentes de minha vida, deixo o meu obrigado. E hoje, deitado em minha cama, lembrando-me de tudo o que passamos juntos, eu me sinto orgulhoso de ter auxiliado a construir o caráter que hoje lhe pertence, a índole que eu vi se formar diante de meus olhos. E se agora és independente, sorri outros risos, chora outras lágrimas, abraça outros corpos que não o meu. Se hoje estamos longe um do outro e já nem nos lembramos do som do júbilo um do outro, saiba que nada, absolutamente nada, mudou.

Tempo nem espaço serão capazes de apagar uma amizade verdadeira.