sábado, 8 de outubro de 2011

Ente-eu

Eu, que sou espinho férreo que fere sem sentir, que sou chaga que se alastra densa e corrói a alma, que sou veneno que embriaga e vicia antes de matar. Eu, que sou tempestade de fúria que vem e devasta sem pedir licença, que sou trevas que cega e embaraça as ideias, que trancafia o coração alheio e o penitencia ao desgosto eterno. Eu, que sou febre que queima e alucina, que sou alúvio de lágrimas e sal a gosto, o amargo que seduz a contrafeito. Eu, que sou bicho pensante, que sorri em forma de homem e conquista suas vítimas instintivamente. Eu, que protagonizo meus próprios erros e os aponta no outro, que bebe o pranto de outrem e se delicia com o gosto da miséria. Eu, que enceno meu sentir e canto as lamúrias que não possuo, que abraço e apunha-lo sem remorso, que revolvo a mácula exangue e tomo da prole derramada. Eu, que sou a vertigem da psique, o medo que se tem, mas desconhece; que aterroriza silenciosamente sem transparecer o tremor. Eu, que sou fúria dilatada sobre a cólera, que sou as palavras que mortificam e lastimam mais que a úlcera, que sou o leito morno e deturpado que aconchega a solidão. Eu, que sou todo esse que me apontam e me qualificam, que não tem qualquer outra escolha se não aceitar de bom grado seu frontispício. Sou eu o vilão da premissa chamada vida, o condenado que não passou por qualquer julgamento para encarar sua sentença. Eu, que sou humano.