segunda-feira, 16 de maio de 2011

Francolatria

E ao amor, todas as minhas mais lúgubres condolências.

Ao amor feito de veneração, fanático por atenção, que desfaz a respiração não por admiração, mas por opressão. À paixão construída a partir de mentiras e ilusões, afeto fictício que por mais belo e pertinente que seja em sua utopia, se finda ao primeiro sopro de verdade que vem. Ao fervor corporal, que se confunde com amor, mas que é só volúpia. Este que explode num êxtase, mas detêm a alma fria e casmurra em seu âmago.

Aos amores indigestos, que amam mais sua própria projeção do que o que lhe é oferecido. O amor que cega os olhos e fere os ouvidos, o amor que idealiza a sublimidade, mas que existe em meio a destroços. À amizade que virou amor, mas que jamais perlongou. Aos amigos que viraram amantes e que em seu íntimo imaginam se jamais fossem. Ao passado desses que se tornou um futuro débil e inconstante, que se sustenta em meio às lembranças dos tempos inabaláveis.

Aos amores de uma única noite e aos de uma vida inteira, às paixões avassaladoras que fervem numa explosão e acabam em meio às cinzas, à fascinação oculta que jamais se revelou, mas que nunca deixou de amar e idolatrar o seu bem-quisto.

Aos amores de papel e caneta, que se debulham em sentimentalismo, mas que jamais amaram verdadeiramente. Aos amores desgastados, que nada mais são que fidelidade a todo custo, um mártir de sua própria existência e do costume cotidiano.

A todos esses amores que nada mais são que desamores, por que o amor genuíno não é fanatismo, nem mentira, nem sexo, nem farsa, nem poesia, nem degradação. Amor que é amor nem se define, se sente em cada partícula de seu corpo, sofre-se na lágrima mais salgada, brilha no sorriso mais belo, compreende-se no gozo mais inflamado e perdura-se dia após dia, cada vez mais belo e sublime. Por que amar não á fácil, e se é fácil deixar de se amar é por que jamais foi amor.

domingo, 15 de maio de 2011

Pretume-me

Não tenho medo do escuro. É na umbra que apercebo-me de toda e qualquer subtração ocorrida em minha vida. A sombra me é conselheira dos encargos de minha existência em evidência. Nela consigo enxergar as entrelinhas ocultas em plena luz do sol; distingo que meus sentimentos não são tão puros como eu julgava e que eu não sou um sujeito de tão bons predicados.

Não tenho medo do escuro. Não quando este é o único estado em que não importa se estou ou não eu de olhos abertos – Não quando o que há diante de mim é apenas o negrume. No escuro posso deixar de existir por algumas míseras estações, posso me permitir subjugar-me a um estado latente de ausência. Por que é no escuro que minha alma ganha liberdade, deixando meu corpo frio afundado numa onda de quimera que é sonhar.

Não temo o escuro por ser terrificante, lar de criaturas fictícias que nada mais são que projeções dos nossos próprios medos. Não é embaixo da cama que vou encontrar minha falta de amor próprio, nem dentro do armário vai estar a inveja que insisto em reprimir quando o outro ofusca-me como a uma migalha. O escuro é meu aliado se tudo o que eu mais quero é esconder minhas imperfeições, camuflar meus defeitos tão notórios.

No escuro posso chorar sem que me cobrem explicações, posso planejar meus próprios passos sem que se ergam obstáculos no meu trajeto. Por que no escuro o incerto é dócil e terrivelmente possível. Possibilidades estas que, no lume, possivelmente seriam impossíveis. E é disto que preciso para hoje, opções.

Não me inquieto com a escuridão. Tremo perante o amor vão que me juram ou que já jurei. Temo o tempo que, em sua majestade, transforma corpos em recordações. Mortifico-me com a saudade que, cruciante, despedaça meu coração em vis pedaços que nada valem, nada representam em desalinho. Não é do escuro que tenho medo, mas da solidão que é sua extensão. Por que no escuro não importa se você está em meio aos seus lençóis de algodão ou numa vereda de proporções assustadoras - O perímetro é nulo se as arestas são invisíveis.

Não tenho medo do escuro, não sou supersticioso. Tenho medo da fantasia que pode infectar meu juízo e tornar-me prisioneiro de minhas próprias vagueações. Por que só na penumbra sou vilão de mim mesmo. O herói passa para o segundo plano, onde pode aprender um pouco mais sobre ser genuíno.

Escuridão maior que a que há em mim não existe.