quarta-feira, 28 de julho de 2010

Vínculo

E se tudo na vida fosse formado por minúsculos pontos, tão pequenos e impercepíteis que se dispoêm esmerados a olho-nu? Pontos, que por mais unidos que estivessem sempre iriam deixar um lugar vazio em seus intermédios, as vezes oblongos demais para estancar o sangramento, cessar o choro. Os espaços vazios jamais serão preenchidos, mesmo que camuflados ou subtraidos. Sempre faltará alguma coisa, e talvez essa seja a razão pelo qual vivemos buscando um propósito, uma eterna procura que parece que jamais cessará. É como se estivessimos interligados, coalizados com um outro ponto, num outro lugar. Essa talvez seja a definição mais louca para o que chamamos de alma-gêmea, mas ainda assim é uma caraterização. Eu acredito sim que em algum lugar existirá alguém capaz de me fazer conviver com os espaços entre mim, acredito sim que não me sentirei preenchido, mas amado. Amar não é preencher, é compartilhar. Meus defeitos serão os seus aborrecimentos, minhas lágrimas serão a sua angústia, meu toque será o seu arrepio, meu olhar será o descompassar. A reciprocidade não é tão ininterrompida, mas condizente. Espero encontrar o minúsculo ponto que me funde à razão de estar vivo, espero também que esse ponto traga consigo a beleza genuína, não a exterior. Quero também alguém repleto de sonhos, sonhos de papel e caneta, sonhos avultuosos, fascinantes. Sonhos que me permitam comungar da magia de se fazer planos a dois, sonhos que me dêem espaço para sonhar junto. Espero encontrar um ponto tímido, mas forte; bobo, mas constante; pequeno, mas confortável. Não busco um perfil, acreditem, prefiro imaginar o inimaginável. Aquela pessoa que aparecerá e me tomará completo, adentrará nos meus pensamentos como fumaça, percorrerá meu corpo e explorará áreas jamais tocadas. Espero poder reconhecê-lo quando chegar, já me cansa ter que olhar para a porta da entrada de um bar, esperando o grande amor da minha vida entrar por ali, sorrindo... E se ele entrar, como saberei? Como poderei justificar a espera se o esperado é totalmente inesperado? Será meu coração capaz de enxergar o que meus olhos humanos não vão conseguir? Será que um orgão tão mortal pode contêr o segredo de uma pergunta tão implexa? O segredo é não esperar, deixar-se levar. Fechar os olhos e tentar conviver com seus próprios espaços vazios, confortando-os com a expectativa do arrebatamento. Sorrir, sim, estarei sorrindo para tudo o que aparecer no meu caminho, mesmo porque acredito que nada é por acaso e tudo, tudo está interligado. Conforta-me saber que estarei cada vez mais perto de encontrar o objetivo de estar vivo, a linha que nos separa é tão tênue e ao mesmo tempo tão viva, tão ávida...Ela está nos guiando, está nos trazendo um para junto do outro. Não demorará para que eu deixe de olhar para a porta do bar, esperando você entrar por ali e me cumprimentar. Você estará do meu lado, vocês e seus pontos, seus buracos. E eu saberei que é você, por que nada mais na vida importará, a não ser nós dois. Uma nova conjulgação verbal, o eu deixar de ser eu para tornar-se nós, ao mesmo tempo em que milhões de 'eus' pelo mundo brilham, brilham por finalmente ter se tornado nós. Sim, nós, não existem pontos sem nós.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Narcisa e a autocontemplação.

Não me amo, amor próprio é o algo que não me diz respeito. O amor é algo que guardo para a pessoa certa, para o sujeito que me fará esquecer de tudo para ser sua; amo o próximo para que ele me ame. Por hora, me admiro. Todo e qualquer mínimo detalhe em meu corpo me atrai, mesmo o mais enojadiço, o mais escondido. Não tenho hierarquia para me contemplar, o âmago é falho, compassivo, mas o íntimo é sublime, alheio a intervenção. Sempre que me olho no espelho vislumbro algo diferente, se meu corpo em movimento, numa dança comum, mas que se feita por mim sobrepuja-se ao que Maria faz ao meu lado, falsificando minha efervescência; se concentrada ao arrumar o cabelo, deixando as melenas mais claras por cima das outras, destacando-me como mulher, contrastando com o meu olhar sempre ressaltante, minha boca que implora pela sua, minha pele tão uniforme e resguardada; se exposta completamente, sem roupa, só corpo, ponderando a mais ínfima gota que percorre meu corpo umedecido pelo chuveiro, calculando matematicamente minhas protuberâncias, bem-querendo-as.

Minha transcrição é divina, invejo-a imaginando ser ela melhor que eu. Ela que me observa de todos os ângulos, ela que me denuncia o momento certo de fazer uma mudança em minha anatomia, ela que jamais recaí os olhos sobre outra pessoa, me admira de todas as maneiras possiveis, e sempre, sempre me olha nos olhos. Meu refletido também é meu confidente, o sinônimo de minha privacidade. É ele que me ajuda a escolher as palavras certas, seja para digladiar ou confortar. Ele que acha graça do meu sorriso amarelo, ele que é o único que chora verdadeiramente quando estou me derramando em lágrimas. Ele sou eu, numa versão mais humana, surpreendentemente. Se eu pudesse me transportar para o seu mundo, se eu pudesse me mutar a cada novo personagem que vem me visitar, talvez eu poderia finalmente ver algum defeito em meu ser. Assim, estou completa; Talvez amando ou completamente apaixonada.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Entrelinhas

Decidi deixar de me culpar por toda e qualquer incorreção no meu trajeto. Já não suporto mais carregar os pecados sozinhos, mesmo tendo com quem dividir. Quero poder me compreender diametralmente, cada pedaço de mim, cada falha. Quero conhecer todos os meus limites e consegui explorá-los, expandir minhas opções e acabar com a velha rivalidade entre o bem e o mal, o bonito e o feio. Não estou interessado em meias verdades, meio-amor. Nada que é pela metade me contenta, sou intenso e espero viver isso completamente. Não suporto mais a solidão em conjunto, tantos rostos ao meu redor, tantos que eu nem conheco realmente. Se for pra ser só, serei desacompanhado. Não preciso que ninguém me lembre todas as minhas negruras, posso enumerar todas as minhas falhas porque eu as cometi. Sou humano, imperfeito. Tão imperfeito quanto você, que se acha acima de qualquer julgamento. Nós somos os nossos próprios juizes, somos os únicos que podem nos condenar. Não me interesso pela sentença, desde que seja justa. Mas não...Só por hoje não vou portar tudo sozinho. Ninguém é uma prerrogativa as falhas, mais dia ou menos dia todos iremos criar o maior erro de nossas vidas, aquele que iremos morrer ainda com a sensação de culpa. Um perdão, um sorriso, um abraço, um amor, uma palavra...São tantas as formas de arrependimento, de consolo...São tantos os naufrágios para que enfim percebamos o quão frágil é a vida, o quão confuso é tentar entrar na vida de alguém. No fundo você será apenas um pedaço fora do quebra-cabeça, uma parte que pode servir perfeitamente numa facção, mas que acaba criando conflitos com uma outra posterior. A vida é um imenso jogo de montar onde colocamos várias peças durante nosso trajeto, mas jamais completamos. Jamais saberemos a verdade completa, a verdade pura e infracional. A verdade que nós conhecemos é outra, é suja, é esteriotipada. A verdade que nós acreditamos é diferente da que eles acreditam. No final, somos mentirosos por ter um pensamento destoante, nada mais justo. Assim, minha bagagem é de verdades, minhas; Nada mais correto que carregá-las sozinha.

domingo, 4 de julho de 2010

Colecionista

Já colecionei muitas coisas durante minha vida premida, mas nada me estima mais que colecionar corações. Tenho de todos os tipos, todas as cores e formatos, mas não possuo um favorito. Lembro-me do primeiro que pilhei em minha vasta coleção, era tão miúdo, tão vermelhusco. Um coração cheio de incertezas, afogados em dúvidas. O orgão não conseguia distinguir entre o certo e o errado, o bom e o ruim... Só era capaz de volver, de bombear o liquido vermelho tão precioso para seu corpo. Não foi muito dificil consegui-lo; O que não se consegue com duas ou três promessas de uma vida confortável e bem-fadada? Lembro-me de quando fui abocanhá-lo, olhei no rosto angelical que suspirava defronte a mim e sorri descompromissado, inexpansivo. Foi o primeiro de muitos...

As táticas para crescer com minha compilação eram muitas. Ouvir as palavras, por vezes vazias, e fingir interesse. Beijar docemente, acarinhar o queixo e sussurrar palavras de amor eterno. Olhar profundamente dentro de seus olhos, procurar qualquer resquício de enternecimento, mas não. Eu não conseguia me importar com a alma, eram os corações que me aprazeavam. Eles eram tantos e tão diferentes, cada um descompassado num ritmo diferente, mas o que realmente os diferenciavam para mim eram as histórias das conquistas. O deleite que me causava a excitação.

Me perguntava se um dia eu iria cansar e voltar a colecionar figurinhas, os orgãos já ocupavam espaço demais na minha estante. O tempo passava e eles iam perdendo a vivacidade, a marcha, a quentura. No fim eram peças. Muitos e muitos pedaços de muitos corações partidos por mim. O único que permanecia intacto era o meu, congelado numa espessa crosta de insensibilidade, preservado. Talvez um dia eu me apaixone e aos poucos o meu coração ganhe veemência e eu finalmente possa sentí-lo bater no meu peito. Porventura eu encontre outro organismo tão desalmado quanto o meu e finalmente sofra. Talvez o meu coração vá a leilão. Felicito-me em saber que tenho tantos de reserva em minha frente, tantos que posso criar um coração maior, mais bonito. Amo minhas parafernálias porquê não sou capaz de amar outra coisa, amo colecionar, só isso.