quinta-feira, 24 de junho de 2010

Máscaras

Não me apaixono por rostos, mesmo admitindo que eles apregoam a fascinação. O semblante é volúvel, impermanente; A atração não deriva das feições, mas da aglomeração de pequenos gestos. Um sorriso, por mais amarelo que seja, tem seu jeito único de sorrir. Pode ser extravagante, singelo e até mesmo superficial, mas é sem-par. O olhar, mesmo que não seja realçado com a suntuosidade de um azul profundo, é limiar perante suas intenções. Os olhos pintados e os machucados, os olhos tímidos e os desajeitados, olhos que te despem e que te incitam, os olhos desacompanhados e os que te acompanham. Olhos! O corpo que te dá movimento não é capaz de criar a mesma efervescência numa outra alma. Não importa o seu molde; se é gordo ou magro demais, se é peludo ou desengonçado, se é marcado ou frívolo em demasia. Qualquer corpo é capaz de lhe causar sensações, uns melhores que os outros, confesso, mas obstino-me a concluir que é apenas uma questão de vontade - ou não.

Não me aliançarei a fôrma, mas à substância. Ser seleto demais acaba tornando-se volúvel. O tempo passa e tráz consigo as rugas, a queda de cabelo e a teimosia. Transcorreram-se tantas estações que a beleza desarvora-se e o que fica é o bastante para convencer-te que você fez a escolha certa ou a errada; Se você realmente ama aquele alguém pelo o que ele é, e não pelo que ele aparentava ser. Será que você está pronto para tomar a decisão certa e abrir mão de todos os arquétipos que se tinha noticia? Apaixone-se por um sorriso, que jamais perderá o ritmo e aparecerá nos mesmos momentos em que sempre apareceu. Enamora-se com um olhar, que por mais que perca o brilho e a vivacidade te atingirá exatamente da mesma maneira, mesmo que escondido por detrás das pregas. Ame um corpo, que mesmo sofrendo tantas modificações continuará a te guiar pelo velho e apaixonante 'dois pra lá e dois pra cá'. O segredo da felicidade está na paz espírito, na cumplicidade entre duas almas e principalmente na capacidade de admitir que se ama. O essencial é incógnito aos olhos.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Mundano

Quantas sensações podemos conjeturar num só instante? E ainda, de quantas maneiras podemos demonstrar nossas atribulações? Se meu olhar denuncia meu medo, o perigo na proximação é evidente. Seu toque me incendeia, não posso esconder isso por muito tempo. Seu cheiro me embreaga, me persegue. Por tantas e tantas curvas que me refugío, debaixo da rocha de pedra-sabão, por detrás da floresta de pau-a-pique; o aroma é flagrante e me despe por completo.

Quantos 'vocês' rondam meus pensamentos? Quantos rostos entreluzem em meu incônscio para formar a excitação? Tantas Marias e tantos Joões, tanta veleidade. Se meu corpo me atormenta, me estímula lestamente antes de ceder e relaxar o músculo, minha mente erra em contradição. No final das contas eu sou o meu único amante, o único a qual eu posso me confessar. Não é minha culpa se o que me alucina são as nódoas da normalidade. Não são os sorrisos que me agradam, mas a falta de compromisso. Não opto pela juras de amor eterna, mas pela infidelidade voraz que habita num único instante. Maisquerer um único que beijo que a tortura de viver enclausurado sob algemas. Não busco a pessoa certa, busco tantas erradas quantas me forem dedicadas. São os erros que me interessam, as imperfeições que me ensinam, não o primor. Vivo assim, despropositadamente num estado de coma duradouro. Fecho os olhos para a direita e para a esquerda, a única coisa que me interessa é o que está diante de mim. Quem estiver atrás, que me coma.

domingo, 6 de junho de 2010

Funeral

Bom mesmo é não saber o quanto a vida dura! Cada instante, por mais ordinário que seja, pode ser o seu último momento vivo. E então, será que você realmente fez tudo o que deveria ter feito? Você, que passa tanto tempo criticando a integridade dos outros, enumerando os defeitos alheios e recolhendo elogios momentâneos para construir uma impressão sobre si mesmo; Será que você não perdeu tempo demais vivendo a vida de outra pessoa e terminou deixando a sua própria como expectadora? O que acha de fazer as pazes consigo mesmo? Compreenda-se. Somos seres formados de uma infinidade de sentimentos e sensações, ligadas exclusivamente a um orgão que termina desempenhando o papel da tão falada 'alma'. Nosso cérebro é o nosso maior inimigo. É ele que nos abre as portas da solidão, é ele que dá um empurrão quando nada ao seu redor mais lhe satisfaz. É ele que te mostra todos os dias, em frente a um espelho, todas as suas piores insuficiências. Mas no fim, ele é o único que está contigo.

Não espere o amanhã para dizer as tão elucubradas palavras de amor. Amor esse que pode ser genérico, mas que é vivido com tanta intensidade. Amores vão, amores vêm, num eterno fluxo constante que a vida nos oferece, quase como uma liquidação: Ame três e beije quatro! - mas não cobre ser correspondido. As vezes nem percebemos, mas estamos rodeados de pessoas que nos amam, pessoas essas que serão suas testemunhas, pessoas que jamais deixarão sua lembrança esvaecer após o seu falecimento corpóreo. Aquele vizinho que sempre te dá bom dia e que você nem dá a mínima, o mesmo que estima ser seu amigo mas precisa de qualquer sinal de abertura. Aquele tio distante que jamais esqueceu o seu aniversário de dezessete anos, sim, o mesmo que te deu aquele presente horrivel, o que você jogou de lado, vislumbrado pelos muitos outros. Uma mãe, um pai... Alguém que porventura não pôde ser tudo aquilo que esperara ser para o seu filho. O fantasma do héroi que nunca ganhou o disfarce, mas jamais saiu da surdina. No final, meu amigo, a única coisa que resta é o amor. E mesmo que aquele instante, aquele momento ordinário que preceituamos inicialmente, se estiver repleto de sinceridade e amor, valerá a pena por cada milésimo de segundo. "Leva o que há de ti, que a saudade dói latejada."